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OS EFEITOS CONTROVERSOS DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE IMÓVEIS EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19

  • Foto do escritor: Renata Barbosa
    Renata Barbosa
  • 27 de mai. de 2020
  • 8 min de leitura

Atualizado: 24 de jul. de 2020


Por: Victor Gabriel Moreira



I- O CONTEXTO


É inegável que a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 ou COVID-19, vulgo Coronavírus, trouxe consigo inúmeras mudanças que fomentaram mutações na praxe contemporânea. Os impactos, até então, podem sem averiguados, entretanto, são incomensuráveis, como bem colocou o Observatório do COVID-19, da FIOCRUZ [1], esta crise: “vem produzindo repercussões não apenas de ordem biomédica e epidemiológica em escala global, mas também repercussões e impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos sem precedentes na história recente das epidemias”. Ou seja, como uma vanguarda, seus reais impactos serão reconhecidos quando observados do futuro.


Com isso, o cenário mundial vem trazendo diversas incertezas, em variados seguimentos, um deles é as relações imobiliárias, no tocante das locações comerciais e residenciais. Como resposta natural ao contexto de Estado de Calamidade Pública e Quarentena decretados em diversos estados, surgem preocupações generalizadas dos locadores e locatários de imóveis comerciais e residenciais a respeito dos impactos que a pandemia pode trazer para seus respectivos negócios. Este artigo irá discorrer, objetivamente, sobre estas duas modalidades de locação de imóveis.

II- LOCAÇÃO RESIDENCIAL E COMERCIAL


2.1. Locação residencial


Quando se relaciona locação residencial com a atual conjuntura pandêmica, problema não há com restrições ao uso do imóvel pelo locatário. A posse lhe é facultada desde início e o locatário mantém a faculdade do uso concedida, sem qualquer redução ou limitação por conta da pandemia.


Como muito bem elucida o artigo de J. F. Simão [2]: “A mudança pessoal do devedor não implica mudança da base do negócio jurídico. Não afeta o sinalagma contratual”.


Outro bom exemplo trazido no artigo citado [2], elucida a realidade de boa parte dos locatários de imóveis da modalidade residencial, os cidadão que moram em condomínios: “Eventuais restrições impostas pelo condomínio quanto ao uso da área comum (ou da área exclusiva, se isso possível for) não são relevantes para fins de impacto sobre o contrato firmado de locação


Ou seja, o fato de, por motivo de saúde pública, ficarem impedidas as aglomerações, não são motivos juridicamente relevantes para se alterar a base contratual da locação. Essa restrição momentânea e temporária atinge os locatários e os proprietários de maneira igual, pois fundamentalmente, a moradia está garantida e o locatário prossegue com a posse direta do bem.

Entretanto, pode o locatário se valer do instituto da ação revisional de aluguel se entender que, com a pandemia, analisando o contexto de forma objetiva, aferindo, por exemplo, que há muitos imóveis desalugados, ou que o preço dos aluguéis da região caiu de maneira significativa. Todavia, a mudança pessoal do devedor (subjetiva), não implica mudança da base do negócio jurídico.


Além disso, nas hipóteses de locação residencial sem prazo determinado ou de contrato já prorrogado por tempo indeterminado, a única solução é a resilição contratual – que é “o desfazimento de um contrato por simples manifestação de vontade, de uma ou de ambas as partes. Ressalte-se que não pode ser confundido com descumprimento ou inadimplemento, pois na resilição as partes apenas não querem mais prosseguir” [3] –, por meio de denúncia, com antecedência de 30 dias. Outrossim, caso se esteja na vigência do prazo contratual, ocorre resolução culposa do contrato mesmo que por motivo subjetivo, como desemprego do locatário, que mesmo com esta situação terá que pagar a multa proporcional estipulada no contrato, nos termos do art. 4º da Lei 8.245/91 [4].


Em suma, a pandemia que gera desemprego ou redução de remuneração não altera o sinalagma contratual e não é motivo (em termos jurídicos) para a revisão contratual. O melhor caminho é a negociação entre as partes envolvidas no contrato de locação, como fortalece o artigo 18 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) [4], o qual dispõe que é licito às partes fixarem, de comum acordo, novo valor para aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.


2.2. Locação não residencial (comercial)


Nessa hipótese, cabe uma ponderação de que não estamos diante da força maior, nem do caso fortuito, vide art. 393 do Código Civil [5], que permitir-se-ia alegar a impossibilidade de pagamento do aluguel, como defende Fábio Azevedo [6], in verbis: “O reconhecimento da calamidade pública somada a decretos estaduais que impedem o desenvolvimento da atividade são acontecimentos tão imprevisíveis (caso fortuito) quanto inevitáveis (força maior)”.


Todavia, este argumento não é cabível, assim como pode-se imaginar uma loja fechada que tenha caixa para pagar aluguel por muito tempo, também é possível encontrar uma que não possua, como bem colocou o artigo disponível no blog do professor Flávio Tartuce, que já fora citado [2].

A prestação do locatário (dar dinheiro) não se impossibilita pelo fato de a loja estar fechada ou aberta. Dar (entregar) dinheiro não sofre impossibilidade no sentido do caso fortuito ou da força maior para fins de irresponsabilidade do devedor. Se esse raciocínio fosse utilizado, com a loja fechada, não se paga o aluguel, não se pagam seus funcionários, não se pagam seus fornecedores, e os demais envolvidos, direta e indiretamente, na atividade em empresarial do estabelecimento. O argumento da “loja estar fechada por decreto” implicar força maior para extinção da locação é equivocado, a prestação de dar é possível.


Além disso, outro argumento equivocado, como aponta novamente J. F. Simão [2], é que com o fechamento da loja ou suspensão de suas atividades o locador não cumpriria sua prestação: dar a posse. Esta retórica é novamente é falaciosa. O locatário não perdeu a posse direta do imóvel. Seus bens (mercadorias, móveis etc.) se encontram no imóvel locado. O locador, a base de exemplificação, não pode “entrar” no imóvel sob pena de esbulho possessório, outra maneira clara de se visualizar essa questão, é de que o locador prossegue privado do uso da coisa. Dessarte, entende-se que a prestação do locador continua sendo efetuada.


Afastando-se de equivocada categoria da força maior, Aline Terra [7] afirma com precisão:

"[...] pode-se qualificar a restrição sofrida pelo locatário no exercício das faculdades que lhe são transferidas como impossibilidade superveniente parcial e temporária. É dizer: 1º) a impossibilidade é superveniente porque verificada após a celebração do contrato; 2º) é parcial porque o uso foi afetado parcialmente, em maior ou menor grau, a depender da atividade exercida no imóvel; no caso dos cinemas e dos teatros, por exemplo, a faculdade foi severamente reduzida, embora não de todo esgotada, já que o locatário ainda conserva a posse do bem e nele mantém seus equipamentos; 3º) é temporária porque as restrições cessarão dentro de algum tempo, assim que retiradas pelo Poder Público. "


É por isso que a solução, suspensa a atividade, é a busca do reequilíbrio do sinalagma funcional que se alterou em razão da quarentena, quando as lojas fecharam. A mudança de base do negócio jurídico permite ao locatário a resolução contratual (extinção sem pagamento de perdas e danos, sem pagamento de multas e qualquer outro tipo de penalidade). Perde o locador que ficará sem o aluguel e perde o locatário que investiu na criação do fundo de comércio.


A outra solução que o sistema oferece por meio do art. 317 do Código Civil [5] é a revisão contratual. O sinalagma genético existia, quando da formação da locação, quando a avença foi firmada. Contudo, o sinalagma funcional foi abalado, fraturado, quebrado. Entre o momento da formação e da execução, veio a pandemia e, com ela, suas nefastas consequências (fechamento da loja, suspensão das atividades).


Cabe ressaltar, o dito até aqui não se trata de suspender o pagamento integral do aluguel. Isso se chama moratória e leva ao colapso contratual e não sua revisão. A suspensão integral da prestação do locatário gera um contrato deveras oneroso para uma das partes, em que o locador cumpre sua parte e o locatário não. Moratória só é possível em virtude de lei que assim a determine e indique seu tempo de duração.


A solução de Aline Terra passa pela regra do artigo 567 do Código Civil. Segundo a autora, no mesmo artigo citado [7]:

"Cuida-se, com efeito, de situação análoga à deterioração inimputável da coisa, prevista no art. 567 do Código Civil, segundo o qual ‘se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava’. De fato, ‘deterioraram-se’, sem culpa do locatário, as faculdades a ele transferidas. Como se trata de deterioração temporária, a princípio, estaria vedada a resolução, a não ser que ficasse demonstrado que o prolongamento da situação excepcional somado à intensa restrição – ou mesmo supressão – das faculdades qualificam-se como deterioração tão drástica que a prestação parcial – ou seja, o que sobra do uso pelo tempo ainda restante do contrato – não atende efetivamente ao interesse do credor. De todo modo, apenas a análise cuidadosa dos termos do contrato e das circunstâncias fáticas concretas é que revelará se se trata, realmente, de hipótese de resolução. No comum dos casos, portanto, haverá mera deterioração das faculdades do locatário, a autorizá-lo, por força do art. 567, a requerer a redução do valor do aluguel, mesmo que ainda não tenha transcorrido o prazo de 3 anos previsto no art. 19 da lei 8.245/91, já que aos contratos de locação comercial se aplica, supletivamente, o Código Civil. "


A redução no valor da contraprestação (aluguel) seria diminuída de maneira temporária. Em termos práticos, para elucidar o que aqui foi pregado, um locador que paga aluguel na importância de R$10.000,00, poderá o juiz determinar a redução para R$ 8.000,00 e essa diferença seria arcada pelo locador como risco do negócio.


A suspensão parcial da prestação locatícia é medida que se impõe. Suspensão significa ineficácia parcial da prestação de pagar o aluguel até que ocorra o fim da suspensão por força do Ato do Príncipe ou em data que considere uma certa normalização da atividade econômica.


Reitera-se que se deve, a todo custo, evitar a moratória completa, pois ela gera a ruptura do elemento preço, além disso traz uma sensação de caos social e, no mais das vezes, graves danos à outra parte. Diferir-se no tempo parte da prestação devida afastando-se os encargos da mora é forma de recomposição do sinalagma funcional [2].

III- CONCLUSÃO


A solução, como se vê, não é fácil, assim como a situação excepcional que se vivencia. Ao que parece, o melhor caminho é o diálogo, a negociação pautada na boa-fé, de modo que seja possível reduzir o valor do aluguel, como autorizado pelo art. 567 do Código Civil [5], fortalecida pelo art. 421-A, inciso II, também do CC [5], - inserto a partir da lei de liberdade econômica –, tudo isso com o intuito de conciliar os interesses dos envolvidos na relação jurídica, preservando as atividades econômicas desenvolvidas pelos mesmos [7]. Os atores envolvidos terão que ter um diálogo amplo, pautado em respeito e empatia, para entender o momento atual e encontrar uma resposta benéfica, ou menos depreciativa para ambos.


Além disso, a lei especifica, Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) [4], dispõe, em seu artigo 18 que é licito às partes fixarem, de comum acordo, novo valor para aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste, ou seja, a legislação especial não só autoriza, enobrece o princípio da autonomia da vontade, que nada mais é do que a negociação entre locador e locatário.


Então as partes têm total liberdade de negociar e acordar situações, termos para traçarem as diretrizes da sucumbência recíproca, chegando a um acordo que não seja tão prejudicial para ambos os lados.


Contudo, caso não seja possível, que a redução parcial e temporária da contraprestação (valor do aluguel), seja acordada entre as partes, deve-se buscar, em última hipnose, as vias judiciais. Entretanto, para se evitar insegurança jurídica, o juiz deve determinar um termo final para que a decisão deixe de produzir efeitos, de maneira segura, isto é, clara, sob pena de a decisão se perenizar.

IV- REFERÊNCIAS

[1] PORTAL FIOCRUZ. Impactos sociais, econômicos, culturais e políticos da pandemia. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/impactos-sociais-economicos-culturais-e-politicos-da-pandemia. Acesso em: 19 mai. 2020.

[2] PROFESSOR FLÁVIO TARTUCE. Pandemia e locação – algumas reflexões necessárias após a concessão de liminares pelo Poder Judiciário. Um diálogo necessário com Aline de Miranda Valverde Terra e Fabio Azevedo. Disponível em: http://professorflaviotartuce.blogspot.com/2020/04/pandemia-e-locacao-artigo-de-jose.html. Acesso em: 15 mai. 2020.

[3] JUSBRASIL. Qual a diferença entre resolução, resilição e rescisão?. Disponível em: https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1111491/qual-a-diferenca-entre-resolucao-resilicao-e-rescisao. Acesso em: 15 mai. 2020.

[4] PLANALTO. LEI No 8.245, DE 18 DE OUTUBRO DE 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 19 mai. 2020.

[5] PLANALTO. LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 19 mai. 2020.

[6] MIGALHAS. Sem shopping, sem aluguel: covid-19 e alocação de risco. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-edilicias/324393/sem-shopping-sem-aluguel-covid-19-e-alocacao-de-risco. Acesso em: 15 mai. 2020.

[7] MIGALHAS. Covid-19 e os contratos de locação em shopping center. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/322241/covid-19-e-os-contratos-de-locacao-em-shopping-center. Acesso em: 20 mai. 2020.

[8] PLANALTO. LEI Nº 13.874, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.


 
 
 

4 commentaires


kleydsoncardoso
29 mai 2020

Muito bom, conteúdo bastante elucidativo!

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euitalor
29 mai 2020

Muito interessante as nuances desse tipo de contrato no momento delicado pelo qual o mundo está passando.

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gabrielpotter312
29 mai 2020

Parabéns

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gabrielpotter312
29 mai 2020

Conteúdo muito importante

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